domingo, 18 de dezembro de 2011

O areal é apenas um viridário de espelhos



 

Persigo-te com os dedos pela ausência
Das cores que escorrem pela parede
Dos despojos arrebatados do sono

Na boca brame um coração de papel
Como um pêndulo sem prumo
Onde o tempo se perde num surdo grito

O areal é apenas um viridário de espelhos
Onde se passeiam vozes em queda livre
O dedilhar de uma guitarra portuguesa
Traz-me um último gemido das tuas mãos


Carlos Val

domingo, 13 de novembro de 2011

Sinto saudades dos lápis de cor que trazes nos olhos - Poema 2 - XVI Concurso APPADCM 2011 Setúbal




 Premiado com uma Menção Honrosa 


O destino passa por mim como uma pena caprichosa
Tão apressada, tão amarga que a cegueira
Tirar-me-á a lucidez de voltar a ser menino

O sono poeirento das pedras descobre-me os pés
E o ruído das estrelas permanece imutável
Ao longe umas mãos pequenas estendem-se
Abraçam-me como dois girassóis ciclópicos
Sinto-me tão pequeno dentro daquele olhar

As portas da igualdade fecham-se,
O espelho agride a nossa desmedida incoerência
Através da vaidade dos olhos que não usamos

Posso pedir-te que me abraces de novo?
Sinto saudades dos lápis de cor que trazes nos olhos


Carlos Val

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Olhar amendoado - Poema 3 - Concurso APPADCM 2011


O mundo simplifica-se num berlinde
Nas mãos do menino [diferente] é perfeito
Consegue atravessar-lhe o olhar amendoado
E criar na prega da mão um jardim de malmequeres

À noite sem saber compor contas de cabeça
Recolhe as estrelas uma a uma
Espalhando-as silenciosamente a seu lado
Como se escrevesse um poema nas arestas do tempo
Que se esgueira nos ponteiros de um arco-íris
Enquanto um asterismo tece o verbo e o alfabeto

Carlos Val

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O último epílogo de luz



As brumas e as nuvens da adolescência
Dissiparam-se sobre a cela solitária
Onde os meus olhos morrem todos os dias
Num silêncio de madeira em repouso

O teu rosto sorri-me numa parede frágil
De areia repetidamente, ancorado no vazio
Tempestuoso do mar pulsante do meu covil

Ama-me antes que o último epílogo de luz
Se dilua, aqui dentro o tempo não existe.


Carlos Val

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A textura óssea das magnólias



 
O silêncio raspa o vidro da janela
Um lenço branco acena-me
Círculos de corvos sobre a neve
Movem-se alados sobre mares sem pontes

Vesti-me de negro, fechei o círculo
Remei atrás do silêncio dos corvos
E ali estava eu
Atento à textura óssea das magnólias
Sobre a ponte dos nossos corpos


Carlos Val

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Salitre de mármore



Abrevio-me à beira mar
Sobre as algas aconchegantes
Enquanto ensaio percursos na ilusão
De te reencontrar

Quem me dera surgir da quietude
Dos rochedos, oferecer o meu corpo
À falésia e albergar a dor na penumbra
Do entardecer

Não sufocarei o cio da boca
Onde as palavras se dispersam
Num orgasmo mar a dentro

Gritarei por ti até que a morte
Me encontre nos teus braços
Neste salitre de mármore


Carlos Val

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A dor do peso do papel


Agora só vens no veludo dos sonhos
No esquecimento da voz, persigo-te
No vazio da noite atrás das sombras
Por baixo do pavio das velas, na cera
Que pinga nos meus braços nus

Queima-me a dor do peso do papel
Sobre o azul celestial do mar
E cada grão de areia é um punhado
De terra que nasce dentro de mim

São horas de ter medo, do cheiro
Supérfluo que escorre do teu retrato

Carlos Val

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ciclos utópicos

    


Deixa-te cair nos meus braços
Elevar-te-ei aos céus
O lugar é agreste, matizado
De cinzentos em expansões verdejantes
Filmemos o crepúsculo no círculo
Lento dos degraus semifechados
Apesar do declive não choverá

Deixemos a utopia para quando
Os corpos se dissiparem e as almas
Se fundirem

Elevar-te-ei quando a madrugada
Mergulhar no mar e os teus cabelos
Esfumarem-se na resina do meu tronco

Carlos Val

terça-feira, 31 de maio de 2011

O bálsamo luzente dos fogos


É noite ainda
Escuto os rumores das borboletas
No bocejar da ferida que se abre
Na perplexidade de um céu proibido


Lambo a ferida
Pressinto o bálsamo luzente dos fogos
E no silêncio das rosas envelheço
Como um nómada
À procura de um empíreo qualquer
Que me aceite




Carlos Val

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Esboço-te...amor



Deixa-me adormecer
Antes que a noite se esqueça de nós
E o céu se cale na nossa boca
Onde a luz se esgota na medula
Dos dias sem ninguém

Ainda sinto as cassiopeias
Atravessarem-me o peito
Tão dóceis como o beijo
Que nunca me deste, senti-o
Nos vestígios fogosos
Do lado esquerdo da cama, onde
A sombra dos teus olhos se esconde

Carlos Val